Desenho: London at Christmas, de Sherin Aminossehe
London News
By Maria Eduarda Johnston*
Essa semana pude dormir melhor, sabendo que o trono inglês em breve terá um herdeiro, que até onde se sabe, tem sangue real correndo nas veias. Assim que soube da notícia, liguei para a minha comadre, e também cidadã britânica, para discutirmos o assunto. Ela estava alegre porque agora a Nina vai ter mais um amiguinho para brincar.
Palhaçadas de lado, 2012 foi o ano em que eu finalmente resolvi dar entrada na papelada para me tornar uma cidadã britânica. Parte, uma grande parte de mim tem horror à burocracia e talvez por isso eu tenha adiado essa decisão por tantos anos.
Saímos cedo num sábado de manhã e fomos até a casa onde eu receberia o meu diploma de cidadã britânica. E que casa! Nada a ver com o cartório caindo aos pedaços onde me caseiem Belo Horizonte. Nadade fio desencapado descendo pelas paredes rachadas e ameçando os noivos de levar o choque da vida deles, mesmo antes de dizerem o sim. Nada de juiz de paz cinza, com terno cinza, unhas cinza, fedor de cigarro e cara de tédio. Era tudo muito civilizado e bonito também; música clássica, arranjo de flores frescas, foto da rainha e um chazinho para iniciar os trabalhos.
Logo na chegada me perguntaram se eu queria fazer o meu juramento com ou sem a palavra Deus. Eu respondi que tanto fazia e fui colocada no time do Senhor. Ao meu lado, uma senhorinha do antigo Ceilão (ela também deve ter pensado que eu sou uma senhorinha…) e do outro lado um homem de terno, muito elegante, de Uganda. Ouvimos um breve discurso sobre a importância da cidadania britânica e fizemos o juramento em dois grupos: o do altíssimo e o outro. Em seguida fomos chamados, um a um, para receber o diploma, assinar um documento e posar para a foto oficial. Enquanto estávamos nessa de esperar a nossa vez, eu, como brasileira que tem que conversar com todo mundo, puxei conversa com meus vizinhos de cadeira. A mulher do Sri Lanka foi bem gentil e me contou bem-humorada que o marido estava no outro time, o dos ateus. Deu um tchauzinho pra ele e eu sorri. Já o meu vizinho africano não estava para papo. Perguntei de onde ele era e ele respondeu. Sem olhar na minha cara, ele me retribuiu a pergunta. Quando ouviu Brasil, fez um silêncio breve antes de soltar a seguinte pérola da mais pura arrogância:
– “Brasil… até tinha me esquecido que existe esse país no mundo.”
Respondi sem titubear e no tom mais monótono, afetado e esnobe que alguém é capaz de produzir:
– “O senhor deve ser mesmo um homem muito ocupado”.
Ai meu jesusinho, tinha resposta mais inglesa para eu dar? Aquela cerimônia toda estava me transformando numa espécie de Dr Jekyll and Mr Hyde de o médico e o monstro. A brasileira e a inglesa-de-meia-tijela falando ao mesmo tempo dentro de mim, me fazendo dizer coisas de um jeito que eu não falo normalmente.
Para levantar o espírito e terminar ‘on a good note’, cantamos o primeiro verso de “God Save the Queen”. Depois da cerimônia resolvemos, marido, filha e eu, almoçar numa Brasserie francesa para comemorar a cidadania britânica, numa espécie de ‘entente cordiale’ particular. Em homenagem à minha soberana, pedi um ‘egg royale’.
2012 foi um ano especial para a Rainha Elizabeth. Foi o ano do jubileu de diamante. Nunca nenhuma rainha ocupou o trono britânico por tanto tempo. O mal-estar causado logo depois da morte da princesa Diana ficou no passado. A rainha agora é mais pop do que nunca. Dez anos atrás, num outro ‘Jubilee’, eu era uma imigrante recém-chegada e tão mal informada que fui parar com o Ian no centro de Londres para ver um filme, bem no dia da comemoração principal. Na época eu fiz pouco da festa, achando tudo muito exagerado. Desta vez foi diferente, não porque agora eu tenha a cidadania, mas porque eu estou é ficando velha mesmo. Cada vez mais eu acho importante essas comemorações, esses rituais; casamento, jurar fidelidade ao país, celebrações coletivas que dão identidade a uma nação. Eu não estava aqui durante os jogos olímpicos. Mas é evidente o bem que eles fizeram a moral desse povo, que anda caidinha por causa da recessão que se arrasta há anos na Europa e que ameaça instituições e valores, tão caros a essa gente.
Perdi as Olimpíadas porque fui passar o verão europeu no inverno das Gerais. Em termos de meteorologia, me dei bem. Dias secos e ensolarados, bem diferentes dos dias molhados de Londres. Em termos afetivos, me dei melhor ainda. Fui beber na fonte do amor familiar, vi cheia de alegria a minha filha brincando com os primos, com os cachorros e incorporando novas palavras e expressões ao repertório dela. Desta vez voltou para casa dizendo ‘GE-NE-RAL !’ pra tudo. Desconfio que ela queira dizer ‘Genial!’ mas não tenho coragem de corrigi-la.
Foi em Belo Horizonte que eu revi uma amiga querida depois de trinta anos de ausência. Éramos adolescentes da última vez em que nos encontramos. Ela foi até a casa dos meus pais e nós não gastamos muito tempo nos ocupando do passado. Conversamos sobre a vida e os planos. Foi um encontro especial e significativoem muitos sentidos. Comotambém foram os encontros com mais amigos, os que eu vejo sempre e aqueles a quem eu não via há anos. Foram reencontros de riso fácil, que me deixaram saudosa e emocionada também. Saudade do convívio com essas pessoas tão queridas e emoção de ver como tudo é mais fácil e como as pessoas são mais disponíveis aí no Brasil. Falei de planos e os amigos me deram colo, me perguntando como eles poderiam me ajudar. Conheci novas pessoas, que generosamente também me estenderam a mão e me deram força para seguir em frente. Se eu tivesse que escolher um mote para o meu 2012 pessoal, ele seria o da amizade. Este foi o ano em que os amigos se fizeram mais presentes caminhando ao meu lado.
Ser imigrante não é bolinho. Tenho boas amizades aqui, que são tecidas do jeito como devem ser: com tempo e com as experiências compartilhadas. Mas fica sempre um vazio que não pode ser preenchido: o das diferenças culturais, e de referenciais. Essas sim falam línguas diferentes porque vão além de qualquer gramática, elas falam de valores e vivências que não são traduzíveis. Ouvi de um amigo que eu finalmente troquei o Brasil pela Inglaterra. Ele não poderia estar mais enganado. A cidadania foi sim um passo importante. Um símbolo pessoal de que agora eu estou adaptada à vida e ao país que eu escolhi para viver esse momento. Mas trocar significa descartar um em favor do outro. Eu não estou descartando nada, meu jogo é acrescentar, do jeitinho que nós brasileiros sabemos. O melhor jeitinho brasileiro, o jeitinho do afeto e da amizade.
Feliz Natal e um 2013 bom demais da conta!
* Maria Eduarda Johnston é mineira, de Belo Horizonte, e vive em Londres há dez anos.
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